Lembranças de Serra Pelada - entrevista com Juca Martins
Lembranças de Serra Pelada - entrevista com Juca Martins
Serra Pelada foi o maior garimpo a céu aberto do mundo em seu tempo. A descoberta de ouro de aluvião por um vaqueiro no riacho da Grota Rica, como era então conhecido o lugar, atraiu rapidamente uma legião de garimpeiros de todos os cantos do país. Juca Martins foi o primeiro fotógrafo a documentar o movimento. Chegou a Serra Pelada em 1980, quando 15 mil homens trabalhavam na cava. Havia ido à Conceição do Araguaia, no Pará, para cobrir o assassinato de um líder sindical rural. Quando soube da notícia, decidiu estender a viagem. As imagens de homens cobertos de lama, subindo e descendo escadas de madeira carregando sacos de terra, lembrando formigas, se tornariam famosas em todo o mundo. Venceu com uma o Prêmio Internacional Nikon, em 1981. Voltou depois ao garimpo, em 1986, no auge, quando 120 mil garimpeiros procuravam ouro no local, e ampliou o ensaio.
Parte do trabalho, as fotos coloridas feitas por Martins em sua segunda viagem, pode ser vista até dia 20 de agosto na Galeria Utópica. A exposição A febre do ouro é composta por 17 fotografias inéditas que mostram o trabalho intenso na cratera de 24 mil metros quadrados, aberta em meio da floresta a pouco mais de 100 quilômetros de Marabá.
Além do trabalho em Serra Pelada, Martins é conhecido pela trajetória de quase 50 anos no jornalismo brasileiro. Nascido em 1949, em Barcelos, Portugal, mudou-se com a família para São Paulo ainda menino. Começou a fotografar em 1970 e fundou, anos mais tarde, a Agência F4, ao lado de Nair Benedicto, Delfim Martins e Ricardo Malta. Primeira cooperativa de fotojornalismo brasileira, a agência ficaria conhecida, entre outras coisas, pela luta pela valorização da profissão e a defesa dos direitos de autor dos fotógrafos, a exemplo do que fez, lá fora, a lendária Magnum. Após a dissolução da F4, fundou ainda a agência Pulsar Imagens, em 1991, com Laura Del Mar e Delfim Martins.
Ao longo da carreira, trabalhou e colaborou com jornais brasileiros e estrangeiros, e foi diretor de arte do jornal Movimento, uma das mais importantes publicações alternativas do período de ditadura militar no Brasil. Cobriu conflitos no Líbano, em El Salvador e na Guatemala; recebeu o Prêmio Esso, em 1980, o Prêmio Wladimir Herzog, em 1982, e duas vezes o Prêmio Internacional Nikon (1979 e 1981). Seu trabalho, sempre politizado, já foi exposto na Espanha, Itália, França, Alemanha, Suíça, México, Cuba, Colômbia e Equador e integra o acervo de museus aqui e lá fora. Lançou uma série de livros, entre os quais, A greve do ABC (1980), Crianças do Brasil (1981), Festas populares brasileiras (1987) e São Paulo/Capital (1998).
Na entrevista a seguir, Martins fala sobre suas memórias de Serra Pelada, da experiência de fotografar no garimpo, do trabalho atual como editor e fotógrafo da agência online Olhar Imagem, da qual é fundador, e como coordenador do grupo de fotógrafos Fotobrasilis, no Facebook, entre outros assuntos.
Como foi a sua experiência em Serra Pelada? Você foi duas vezes, certo?
Fui. O começo, em 1980, logo no começo do garimpo. Teve toda a dificuldade de chegar no lugar. Na verdade, eu tinha ido para Conceição do Araguaia, para fazer uma matéria sobre o assassinato de um líder sindical rural. A partir de lá, já estava rolando a notícia de que havia sido descoberto um garimpo. Então, fui de ônibus. Durante a noite, viajei até Marabá. Em Marabá, tentei falar com um piloto de avião, combinar o preço. Mas tinha que ter uma autorização do Major Curió, que era o cara que controlava o garimpo, ligado ao SNI. Mandei minha credencial da Federação Nacional dos Jornalistas (FNAJ), pelo piloto. Ele levou ao garimpo, apresentou ao Curió. Eu fiquei no aeroporto de Marabá esperando e, seis horas depois, ele volta com a minha credencial dizendo: “ó, o major Curió autorizou a sua ida”. Ai eu fui. Desci no aeroporto, como todo mundo. Fui revistado, como todo mundo que chegava tanto de avião quando por trilhas cruzando a floresta. Passei dois dias fotografando. Voltei, seis anos depois, em 1986, já no final do garimpo. Já era uma situação completamente diferente. Não era mais o Serviço Nacional de Informações (SNI) que controlava. Era a associação de garimpeiros de Serra Pelada que fazia o controle. Era preciso ter carteirinha para poder garimpar. Já tinha interferência de gente ligada ao Ministérios de Minas e Energia, de controle de solo. Era outra estrutura. E já tinha uma mini cidade, com mercadinho e outras coisas, tudo de madeira, parecendo velho oeste. Foram dois períodos, nesse espaço de seis ano. Dois dias na primeira viagem e dois dias, na segunda.
Você fotografava o tempo todo?
O tempo inteiro. É uma coisa tão rica. Onde você olha, tem foto para fazer. Não dá pra perder clique.
Na exposição, você privilegiou as fotos do garimpo, mesmo. Do pessoal extraindo ouro. Mas você tem fotos do entorno?
Não, eu priorizei. O que interessava, mesmo, era o garimpo. Na primeira vez que fui, não tinha uma vida fora do garimpo. Os garimpeiros viviam em barracas praticamente do lado de onde eles estavam cavando. Na segunda, você já tinha uma cidadezinha, uma rua principal. A Associação de garimpeiros já era uma casa em madeira. O hotel onde eu fiquei hospedado já tinha dois andares, em madeira, com música ambiente, com bar. Mas disso eu tenho um clique ou outro. O meu interesse era a cava, a notícia estava lá. Talvez se eu tivesse mais de dois dias, talvez fosse o caso. Se você pegar uma semana, duas semanas, seria o ideal. Porque ai você pode acompanhar o cara lá dentro e ir com ele na hora que ele se lava e vai pra casa dele. Mas ai precisaria investir mais para fazer.
E você descia aquelas escadas todas?
Descia. Mas até lá no fundo eu nunca desci. Ia até o meio do caminho, ou por um caminho mais fácil, e descia. Porque o risco de ir lá embaixo, de escorregar, de haver um desmoronamento, também era frequente. Eu nunca corri riscos, não só nessa matéria. Em outras também. Sempre achei que a foto não vale a vida. Eu valorizo a vida, a obra vale menos que a vida. Não vou me arriscar para ter uma foto e dizerem "pô, o cara é um gênio da fotografia". Não, eu não. Eu vou fazer fotografia legal, e tal, mas…
Esses garimpos são frequentemente associados à ambientes sem lei, caóticos. Havia algum tipo de dificuldade para fotografar? O que você sentia?
Não, já tinha lei. O major Curió tinha controle absoluto. Você não entrava assim. Era revistado ao entrar no garimpo, para não carregar armamento. Armas eram proibidas. E você era revistado ao sair do garimpo, para evitar contrabando de ouro. Era um controle absoluto. O ouro era vendido em Serra Pelada em uma agência da Caixa Econômica Federal. Essa é uma impressão equivocada. Mesmo depois, em 1986, quando já era a associação dos garimpeiro, também havia controle. Você não entrava lá sem a carteirinha da associação. Se o cara fizesse alguma coisa errada, perdia a carteira e não conseguia mais trabalhar no garimpo. Recentemente, vi trechos de um vídeo sobre Serra Pelada, do Heitor Dhalia. Tem cenas em que o cara grita "bamborra! bamborra!", que é o que gritam quando acham uma pepita grande. Ai o cara arranca o revólver da cintura e atira para o alto. Pô, mentira. Nunca. Nunca vi pessoa com arma lá, nem dar tiro no garimpo. Aquilo é um efeito cinematográfico, não era real. No garimpo não aconteceu isso. Não tem nenhuma historia de tiro, de assassinato no garimpo de Serra Pelada, na história de seis, sete anos. O que aconteceu de violência e acidentes foi desmoronamento, falta de cuidados, por não drenar a água, morro que soterrou gente. Mas não tinha essa violência de revolver e tiro, diferente do outros garimpos. Isso parece que acontece em outros garimpos.
Você cita no texto da exposição uma história maravilhosa, do Índio, que torra uma fortuna em ouro em três anos. Como você o conheceu?
Eu não conheci. É uma citação. É uma história que está no YouTube. Quando eu fui em 1986, era uma referência. A história desse Índio circulava lá. Eu, pessoalmente, nunca conheci o cara. Nunca falei com ele. Mas ele se tornou um mito, uma história do folclore do garimpo.
Quais os teus projetos hoje?
Atualmente, eu cuido da Olhar Imagem, uma agência online de venda de fotos, licenciamento para revistas e livros escolares. Mais para mídia impressa. A agência não é só minha. Tenho um grupo de fotógrafos que trabalham comigo. Eu coordeno uma página no Facebook, chamada FotoBrasilis, onde eu fotografo, mais um grupo de 20, 20 e poucos fotógrafos também, e publicam lá. A partir dessas fotos publicadas nessa página, eu edito. Se é muito boa, manda para o arquivo. Eu escolho as fotos que eu peço em alta. o Foto Brasilis hoje é um grupo que faz ainda muita coisa na rua. Eu ainda vou para a rua. Fotografo menos. Mas estive na Marcha da Maconha. Essas manifestações que teve, dos estudantes, eu fui para a Paulista. A segunda eu fui também. Na terceira, no dia 14, a Greve Geral, eu fui para a Av. Paulista fotografar. Sempre que posso, ainda estou indo à rua. Menos do que naquela época. Não consigo mais. Antigamente, a gente viajava com duas câmeras fotográficas, uma P&B, outra cor, com cinco lentes. Hoje, pô, eu saio com uma Canonzinha pequenininha, só, no bolso. Quando eu vou com mochila e equipamento mais pesado, incomoda, cansa. Então, eu continuo produzindo foto documental. Meu negócio continua sendo fotojornalismo. Isso eu continuo fazendo.
Que equipamentos você tem usado?
Eu tenho as Nikons, uma D-7000, tinha uma D-800, com lentes que vão de 16mm até 500mm. Mas eu ando muito com uma canonzinha G-7 Mark II, pequeneninha, que cabe no bolso de uma camisa, faz um arquivo grande, de 20 megas, e tem uma lente que vai de 24mm a 100mm. Se for pensar, o meu trabalho todo é coberto de uma 28mm a uma 100mm. A 24mm é 1.8. E a 100mm dela é 2.8. Aguenta um ISO alto. Então, hoje em dia, está me resolvendo para fazer a fotografia que eu gosto. Tem ainda a vantagem de não chamar a atenção de ladrão. De repente, o cara olha e pensa, “isso ai não vale porra nenhuma, é máquina de amador. Deixa o cara sossegado”. Outro aspeto são os seguranças nos lugares, nos shoppings, em lojas. Se você tirar uma Nikon, o cara vai dizer que não pode. Com a maquininha, as vezes o cara chega, eu digo que sou turista, que estou conhecendo a cidade de São Paulo. Então, isso facilitou demais. Vou usando equipamentos pequenos, mas fazendo coisas nesse estilo que você viu.
Que temas te interessam mais hoje?
Os temas sociais. A questão do menor, eu acompanho e tenho um trabalho grande. Menores abandonados em cidades, menores marginais nas cidades, menores trabalhando em canaviais e outras coisas pesadas, menores trabalhando na Amazônia. Na minha parte P&B de Serra Pelada, que é mais forte que essa colorida, tem crianças e trabalho. A questão de habitação, transporte, segurança e trabalho, são os grandes temas. O meu olho vai estar sempre voltado para isso. A educação, a criança e a educação. Habitação. Como essas pessoas estão vivendo. O trabalho, transporte e saúde. Praticamente, esses cinco itens, me ocuparam quando eu comecei no jornalismo há 50 anos atrás, praticamente, e continuam sendo de meu interesse até hoje.
Você acompanha novos fotógrafos? Tem algum trabalho que te chamou a atenção recentemente?
Mais ou menos. O trabalho do Mauricio Lima, prêmio Pulitzer, é impressionante. Tem alguns caras novos. Posso até errar o nome. Felipe Dana, é um cara novo. Tem um cara novo, no Foto Brasilis, chamado Levi Bianco. O Vitor Drago. São uns caras que, para onde eles apontam a câmera, vêm coisas que surpreendem. Acho que é ai que você vê quando o cara é bom fotógrafo, que tem talento. Desses que eu citei, o Mauricio Lima é o mais velho. Mas os outros são bem novos.
Arte na fotografia - entrevista com Claudio Edinger
Nascido no Rio de Janeiro, em 1952, Claudio Edinger é dono de uma estética difícil de confundir. Suas imagens, já há muitos anos, trazem poucos elementos em foco. O restante permanece sem nitidez, como em tilt-shift. Muitas das imagens feitas assim são retratos, paisagens urbanas ou fotos aéreas de cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo, Paris e Nova York, ou de regiões como a Toscana. Mudam a perspectiva de quem vê, apresentam um mundo em que grandes prédios, muitas vezes, parecem miniaturas.
Em sua longa e prolífica trajetória na fotografia, Edinger publicou fotos em mais de 56 veículos, no Brasil e no exterior, entre os quais Business Week, Conde Nast’s Traveler, Marie Claire, Elle, National Geographic, New York Times Magazine, Paris Match, Valor, Veja e The Washington Post. Prêmios e bolsas, foram ao menos 14. Exposições, foram mais de 80, desde 1975. Livros publicados, são quase 20, entre os quais os dedicados ao lendário Hotel Chelsea; a praia de Venice, na Califórnia; o Carnaval brasileiro e a loucura.
Este ano, já lançou um livro e uma exposição. O livro, História da fotografia autoral e a pintura moderna, é resultado de uma pesquisa de cerca de dez anos. A exposição é mais uma etapa do projeto Machina Mundi, de fotos aéreas feitas em diversos países.
Na entrevista a seguir, Edinger fala sobre as origens do novo livro, as diferenças de formação e perfil dos fotógrafos brasileiros e americanos (Edinger morou 20 anos nos EUA), os projetos que têm em andamento, seu processo criativo e sua visão sobre o futuro da fotografia, em um momento em que a popularização dos telefones celulares torna a prática acessível a um número inédito e crescente de pessoas no mundo.
O que o levou a escrever "História da fotografia autoral e a pintura moderna"? Que papel espera que a obra tenha para os fotógrafos e a fotografia brasileira?
Tenho dado cursos de fotografia há 40 anos. Quando voltei para o Brasil, depois de 20 anos fora (nos Estados Unidos), notei que temos muito talento, mas pouca cultura fotográfica. Sem cultura é impossível ser um bom fotógrafo autoral. Aí comecei a pesquisar de onde vinha o meu conhecimento. Uma coisa foi puxando a outra e quando percebi tinha material suficiente para um livro. Espero que este livro sirva de impulso para os jovens artistas brasileiros. O livro não tem nenhuma pretensão. O que temos que saber é muito, e este livro é só um balde do oceano. Mas é um bom começo, espero, para fotógrafos e para o público em geral perceber (quem ainda não notou) a imensa dimensão de nossa arte, em todas as direções.
Como avalia a formação dos fotógrafos brasileiros em história da arte? E de que forma isso impacta a qualidade da fotografia brasileira?
Tenho visto que quando menciono alguns nomes nos workshops ninguém conhece. Daí concluí que nossa cultura é deficiente. Como é deficiente nossa educação. Mas temos uma criatividade absurda, o que é muito bom. Com um pouco de educação, iremos a lugares pouco explorados. É só reparar a nossa riqueza musical. Rítmos e estilos variados — esta é a nossa natureza, somos uma mistura de raças que vai dar muito certo, principalmente no que diz respeito à arte, à economia criativa. Só é preciso um pouco de investimento nisso.
Você viveu duas décadas nos Estados Unidos. De modo geral, quais as diferenças fundamentais (de formação e estilo) entre os fotógrafos de lá e daqui?
A América viveu um boom econômico absurdo no pós guerra. Investiram pesado na educação, têm possivelmente as melhores universidades do planeta, sempre acreditaram na importância da educação. A coisa funciona como uma bola de neve. Bons alunos viram bons professores que pedem por grandes museus que acabam sendo apoiados pela sociedade e tudo reverte para uma melhor educação. Mas nós temos um poder criativo incomparável. Se nos derem as mínimas condições vamos transformar nosso país em uma potência. Já estamos a caminho. Vejo isso como um movimento irreversível.
Além de lançar o livro, este ano você já inaugurou a exposição Machina Mundi NYC. Quais os próximos projetos em vista e ou já em andamento?
A vantagem de se fazer as coisas no Brasil é que temos sempre que ter cinco ou seis projetos em andamento ao mesmo tempo para poder, enfim, viabilizar um deles. Estou fazendo um livro com fotos aéreas, Machina Mundi 2, um livro de histórias dos meus projetos (“Coisas que eu vi”). Ando pesquisando a criação de uma universidade de arte e tecnologia, quero fazer um livro sobre Jerusalém, outro sobre a China. Quem fica parado é poste.
Nos últimos anos, com as câmeras digitais, a fotografia se popularizou. Hoje, todo mundo se acha um pouco fotógrafo. É possível comprar fotos em grandes bancos de imagens a por centavos. Por outro lado, o preço dos equipamentos de qualidade ainda é muito alto. Qual a sua visão sobre o futuro da fotografia? Haverá espaço para que tipo de profissional?
Sempre haverá espaço para os profissionais — de moda, publicidade, jornalismo, gastronomia, arquitetura e casamento. Mas a fotografia autoral, que é a que me interessa, é a que mais tem evoluído. As redes sociais são de extrema valia. Poder publicar o que fazemos ajuda-nos a avaliar nosso trabalho, a corrigir os erros, a aprofundar a pesquisa. A fotografia se transformou na pintura do século 21. As obras sendo produzidas, e também os altíssimos preços, na casa dos milhões de dólares, de algumas delas, têm demonstrado isso.
Hoje, quase todo mundo fotografa com celular. As câmeras dos smartphones são cada vez melhores. Mesmo fotógrafos profissionais, cada vez mais, utilizam o celular, até pela praticidade. Mas praticamente todos os aparelhos tem um mesmo tipo de lente, as 28mm. Essa homogeneização impacta de alguma forma a estética fotográfica do nosso tempo? Se sim, de que forma? Há paralelos como outros períodos da história, como quando surgiram as câmeras 35mm, por exemplo?
Vivemos uma época sem precedentes na história. Principalmente na história da fotografia. Os smartphones têm revolucionado nosso olhar. A câmera agora é onipresente. Todo mundo está sendo alfabetizado, por assim dizer, em imagens fotográficas. É um revolução cultural comparável (mas muito superior) ao do aparecimento da escrita — as épocas são absolutamente diferentes. Não acredito em homogeneização da imagem, pelo menos nas imagens que importam. O photoshop e os aplicativos abrem absurdas possibilidades. O que fotografamos hoje é só uma linha — a pipa está lá em cima…
Como é hoje seu processo de criação? Como define os temas que vai fotografar?
Eu acredito que a fotografia é uma força da Natureza e comigo tem sido sempre assim. As situações vão aparecendo, a fotografia vai puxando a gente. Este trabalho com imagens aéreas, por exemplo, aconteceu por acaso porque me pediram uma foto do Maracanã. Acabei fotografando o Rio e assim começou.
Que novos fotógrafos ou correntes fotográficas hoje chamam a sua atenção no Brasil e no mundo?
No Brasil temos uma lista gigante de talentos antigos e novos e não vou citar nomes para não esquecer de ninguém. Mas em meu livro você tem os fotógrafos que pra mim são relevantes hoje em dia. Quanto às correntes fotográficas, são muitas, em todas as direções, desde auto-retratos incríveis, até stills de cinema, até construções surreais. A fotografia cresce horizontalmente e, a cada dia, aparecem talentos e obras novas. É lindo de se ver.
Como avalia a fotografia brasileira hoje? Por quê?
Nossa fotografia está entre as cinco mais importantes do mundo e com um pouco de ajuda vai pro topo. Somos uma jovem nação com um talento atávico extraordinário. Vivemos um momento fantástico, ainda mais diante de todas as dificuldades que enfrentamos. Ou talvez exatamente por isso.
Que equipamentos tem usado atualmente?
Uso uma Canon 5D Mark IV e um drone Mavic Pro 2 com câmera Hasselblad.
Revisitando a fotografia - entrevista com Rafael Jacinto
A trajetória do fotógrafo paulista Rafael Jacinto se mistura, em boa medida, com a da Cia de Foto, provavelmente o mais influente coletivo de fotografia brasileira dos anos 2000. Antes colaborou com a revista de surf Hardcore, trabalhou no jornal Notícias Populares e integrou a equipe fundadora do Valor Econômico. Mas foi a partir de 2003, ao lado de Pio Figueiroa, João Kehl e Carol Lopes, que seu trabalho ganhou maior projeção fora do meio editorial, no Brasil e no exterior.
Conhecida por assinar coletivamente seus trabalhos, a Cia durou até o final de 2013 e se notabilizou pela intensa pós-produção e experimentação estética. Ao longo de dez anos, foram mais de 15 projetos autorais, além de trabalhos editoriais para revistas nacionais e estrangeiras, que geraram no meio discussões intensas sobre autoria na fotografia.
Entre os trabalhos mais conhecidos do coletivo está o registro da vida pessoal de seus integrantes. “Caixa de Sapato”, foi exposto no Museu de Arte Moderna de São Paulo (2008) e na Photographer’s Gallery, de Londres (2009). Com “25 de Março”, sobre a famosa rua de comércio popular paulistana, a Cia também entrou para a Coleção Pirelli Masp.
Após o fim do coletivo, Rafael manteve a parceria com Kehl e passou a integrar como diretor a equipe da produtora Paranoid, que tem como sócio o cineasta Heitor Dhalia. Em 2018, saiu da Paranoid para se tornar sócio da Fluture, com Kehl e a produtora executiva Flavia Padrão. Em paralelo, vinha tocando projetos fotográficos (Album, America e A Photo a Day), até ser aceito em um Master de Fotografia em Milão, na Itália, para onde embarcou este ano. De lá, por e-mail, falou sobre seu interesse renovado na fotografia, processo de criação e o futuro da atividade.
Depois do fim da Cia de Foto, você foi para a direção de fotografia e de cena. Agora, em Milão, tem produzido bastante, pelo que se vê no Instagram, mas são principalmente fotos. O que levou a essas mudanças? Está voltando a se concentrar na fotografia? Por quê?
Desde que me formei, em 98, vivo da fotografia. Eu basicamente segui o dinheiro. A tecnologia juntou a fotografia a outras linguagens e eu fui acompanhando e incorporando essas novas funções a de fotógrafo. A Cia de Foto terminou há cinco anos e eu produzi muito desde então. Tenho um portfólio comercial melhor do que quando o coletivo existia. Mas os orçamentos estão cada vez menores e eu acho a publicidade cansativa. Muitas vezes prioriza-se o custo e o prazo. Há pouco mais de um ano eu comecei a procurar e encontrei esse Master em Fotografia aqui em Milão. É um Instituto Internacional, da Ásia. Eles chegaram a Milão há dois anos apenas. É o segundo ano desse Master, de dez meses. Eles também oferecem graduação e cursos de três anos nas áreas de design e moda. A bolsa é de acordo com seu desempenho, sua aplicação e portfólio. As entrevistas são individuais. Eu tenho cidadania Portuguesa, então entrei na cota dos europeus. Apliquei e fui selecionado. A cidade interessa não só a mim, mas também a minha esposa (a jornalista Michele Oliveira). É uma pausa na carreira e a tentativa de redescobrir a fotografia. A fotografia é uma linguagem complexa e me fascina muito. Olho os trabalhos da Cia hoje em dia e vejo que a gente sabia antecipar as discussões, principalmente sobre o suporte e a tecnologia. Acho que alguns trabalhos foram importantes quando fizemos, mas hoje em dia demandam um entendimento de época. Isso teve muito a ver com a tecnologia, com a evolução do equipamento a da mídia. Por estar insatisfeito com a minha produção atual, volto a fotografia e quero me satisfazer nela.
Quais os projetos aos quais tem se dedicado?
Não tenho um grande projeto, são todos exercícios ainda. Antes de sair do Brasil, fiz um trabalho sobre o bairro de Pinheiros, todo fotografado com celular, durante meu trajeto entre minha casa e meu estúdio. Ele está em fase de edição e quero fazer um livro. Quando cheguei aqui, fiz um pequeno ensaio com turistas. Eu pedia para eles fazerem uma foto minha em frente a um ponto turístico e eu fotografava ao mesmo tempo. O turista sou eu, também. Depois aproveitei a loucura das compras de fim de ano e fiquei parado num vão da Galleria Vittorio Emanuele, fotografando o mar de turistas que nem percebiam a minha presença. Fiz essas fotos em um horário específico, quando a luz do sol entrava por um vão e refletia nas janelas. Um outro, que estou desenvolvendo aqui é sobre as cores no subúrbio de Milão. Comparada com São Paulo, Milão é uma cidade pequena que está sofrendo um processo de gentrificacão muito rápido. Está sendo bem legal pensar nesse trabalho. E comecei um estudo novo esses dias. A ideia é pensar como atualizar a fotografia de rua. Mostrar o momento acontecendo. Ainda é só um estudo, mas as imagens são bem interessantes. São dois cliques, dois fotogramas. É uma tentativa de fazer fotografia de rua com algo a mais.
Como tem escolhido os temas que vai fotografar?
Tenho sempre ideias de trabalhos. Algumas voltam sempre e eu vou adaptando e vendo se encaixa na minha atual circunstância. Um fator essencial é a viabilidade da ideia. Algumas ideias que pareciam inviáveis, ou que eu não achava um jeito de fazer, agora estão se mostrando mais possíveis.
Como é seu processo de trabalho? Varia de projeto para projeto? Ou há coisas comuns em todos?
Ser fotógrafo é uma ocupação em tempo integral. O tempo todo estou pensando nos trabalhos que estou desenvolvendo ou em ideias que estão guardadas na minha cabeça. Às vezes, um livro, uma exposição, o trabalho de outro artista podem ativar e recuperar uma dessas ideias. Eu ando muito a pé, e enquanto ando penso muito. Normalmente é durante um desses trajetos que uma ideia ou um caminho aparecem. Sempre dá pra achar um ponto em comum entre projetos. Posso dizer que a discussão sobre o tempo sempre está presente. Mas a fotografia é sobre o tempo, então é fácil dizer isso. Dos dois trabalhos citados acima, posso falar que a relação do pedestre com a cidade é o que me guia. Tem muito a ver com uma postura que adotei há alguns anos. A de caminhar e de evitar qualquer outro meio de transporte.
Tem planos profissionais na Itália?
Não. Estou no meio do curso e quero tentar focar apenas nele. Minha esposa é jornalista e está escrevendo daqui, então o combo texto+foto pode rolar em breve. Vamos ver.
Na Cia de Foto, o trabalho de vocês tinha uma estética muito marcante, mas determinada de forma coletiva. Você tem hoje uma preocupação em buscar uma linguagem mais própria, de criar uma nova identidade visual? Se sim, de que forma tem buscado fazer isso?
A gente estava atuante na transição do analógico para o digital. O grupo tinha conhecimentos diversos e o avanço tecnológico permitiu que a gente encontrasse uma estética própria. A partir de 2006/2007, a Carol (Lopes) entrou no grupo. Ela não fotografava com uma câmera, mas dominava a edição das imagens. Ela incorporou o método que vínhamos usando até então e o levou para outros lugares. Acho que também encabeçamos um movimento não só estético mas de abordagem aos temas. Hoje, estou muito mais interessado no clique e na edição das imagens do que no tratamento. Quase não abro mais o photoshop em si, resolvo tudo no camera raw. Então, posso dizer que estou em busca de uma linguagem em que a forma de abordar os temas e apresentar os trabalhos são muito importantes.
Quem são suas referências atualmente, na fotografia e fora dela, que influenciam a sua forma de fotografar? Por quê?
De fotógrafos, tenho voltado aos clássicos. Estou revendo muito Robert Frank, Walker Evans, William Eggleston, Garry Winogrand, assim como Bernard Plossu, Teju Cole (textos críticos), Raymond Depardon, Claudia Andujar, Rosangela Rennó, Thomas Struth, Ed Ruscha, Rineke Dijkstra, Jean Marc Bustamante, entre muitos outros. É engraçado porque eu sabia pouco sobre a fotografia italiana. Eu achava que sabia mais, mas tendo contato aqui com autores menos conhecidos está sendo bem enriquecedor. Mas atualmente existem dois livros que eu trouxe comigo que estão me ajudando bastante: “Doutrina das Cores”, do Goethe, e “Walkscapes: o caminhar como prática estética”, de Francesco Careri. E aqui descobri um outro chamado “Le Fotografie del Silenzio”, de Gigliola Foschi. Mas quero mesmo é desenvolver um projeto que não precise de explicação. Em que a fotografia seja a única forma e que baste. Essa é a parte mais difícil. Abrir mão de texto, por exemplo. Mas o exercício tem sido exatamente esse. Fotografia é uma linguagem e eu estava destreinado nela. É como escrever ou tocar um instrumento. Exige prática e pesquisa.
A fotografia, para você, deve ter papel político? Se sim, qual?
Devemos ser políticos em tudo. Eu sempre andei de skate, e isso para mim foi sempre uma postura política. Como nos alimentamos ou lidamos com a comida é uma postura política. O modo de se locomover é político. Então porque a fotografia não seria? Um trabalho comercial não precisa ou deve ser político mas até a decisão de realizá-lo ou não é política.
Hoje, viver de fotografia parece cada vez mais difícil. Há bancos de imagem imensos que oferecem fotos de graça, ou quase de graça. Jornais e revistas, que costumavam ser escolas e meio de vida para muito fotógrafos, estão em uma crise de modelo de negócios que parece longe do fim. Como enxerga o futuro da fotografia? Para onde ela caminha?
Acho que existem várias crises rolando ao mesmo tempo. Tenho tido discussões enriquecedoras aqui. Desde o diretor de negócios da Magnum, passando pela editora da Contrasto e a curadora do MEP (Paris), todos estão tentando entender o que está acontecendo. A imagem é cada vez mais essencial para a comunicação. A fotografia nunca foi tão utilizada para comunicar uma marca ou um produto como nos dias de hoje. Mas, ao mesmo tempo, todo mundo é produtor. Essa equação ainda está sem solução. Eu enxergo uma saída em conteúdos personalizados, exclusivos. Mas só vai sobreviver quem tiver ideia, pensar, sugerir. Para isso, é preciso estudar e pesquisar muito. Eu não sei o que vai ser. Um fotógrafo com experiência, que também tenha ideias e colabore com a criação há de voltar a ser valorizado. Os influenciadores digitais estão comendo uma grande parcela da grana mas eles são superficiais e estão à mercê do algoritmo. Espero que o conhecimento e a experiência voltem a ter mais valor do que o número de seguidores.
Que equipamentos costuma usar para fotografar?
Gosto muito do meu smartphone porque está sempre comigo. Alimento duas contas no instagram com ele. Uma mais pessoal e com fotos em preto e branco, outra que é um projeto de uma foto por dia, que venho realizando há mais de três anos. Aqui adotei minha Fuji X100F como a minha câmera. Carrego ela comigo e não preciso de mais nada para os projetos que desenvolvo. Ela é pequena, com uma lente única e com um arquivo incrível.
Brasil Indígena - entrevista com Rodrigo Paiva
Esta entrevista está no forno há uns três anos. Na época, Rodrigo Paiva, amigo fotojornalista tocava um projeto fotográfico e um documentário sobre povos indígenas brasileiros. Tinha coberto uma edição dos Jogos dos Povos Indígenas, em 2013, e uma dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, espécie de Olimpíada dos povos indígenas, em 2015. Havia viajado e feito entrevistas sobre os conflitos entre indígenas e fazendeiros no Centro-Oeste. O material em vídeo não chegou a ficar pronto. Mas, dos jogos, saiu uma série de retratos, a que deu o nome de Brasil Indígena. Vi as imagens e achei que seria legal falar sobre elas por aqui.
Sentamos para conversar numa sexta-feira, no Mercado Municipal de Pinheiros, em São Paulo. Pedimos arroz com polvo e algumas cervejas, no Rainha do Mercado. Antes que editasse a entrevista, fui convidado a trabalhar em tempo integral em uma redação. O tempo livre rareou e acabei deixando o blog e o papo parados até agora.
Da data da conversa para cá, Rodrigo migrou do fotojornalismo, cada vez mais mal remunerado, para a fotografia de publicidade. E o projeto de fotografar etnias indígenas, batizado de Brasil Indígena, ficou em banho-maria. Mas como as fotos continuam a me chamar a atenção, e a questão indígena ganhou ainda mais relevância no atual cenário político brasileiro, resolvi publicá-las, com a entrevista, mesmo depois de todo esse tempo. É a que segue.
Como surgiu a ideia de fazer o teu projeto Brasil Indígena?
Sempre fui apaixonado pelas histórias dos índios. Na minha infância, eu e minha mãe passávamos os domingos assistindo as incursões do Washington Novaes no Xingu. Em 2012, tive a ideia de ir para o Mato Grosso do Sul tentar fotografar o movimento de retomada (do que os índios reclamam como suas terras sagradas), o Tekoha. Fui sozinho. Um certo dia, uns amigos que sabiam do meu interesse pelos índios, me falaram da organização dos jogos indígenas, no Mato Grosso. Comecei a pensar no que fazer para as minhas fotos se destacarem. Eu sabia que as agências internacionais iam estar lá. Ia fazer foto de jogos? Por quê? Aí veio a ideia de fazer um retrato de cada time, de contar a história das etnias do Brasil. Afinal, iam estar lá 48 etnias.
A ideia foi fazer um registro etnográfico, então?
Minha referência eram aquelas gravuras antigas de índios. Desde o momento que eu cheguei lá, meu foco foi fazer retratos. E não é fácil fazer retrato deles. Porque os organizadores ficam muito tensos, não deixam. Tem toda preocupação com a imagem do índio. Eu não tinha visto, até então, quem tivesse feito isso, que tivesse esse acervo. Geralmente o cara tem de um canto do país. Do Pará ou da Amazônia. Achei que era uma ótima oportunidade de fazer.
E você voltou nos jogos de 2015. Como foi fotografar nessa segunda vez? Foi mais fácil ou mais difícil?
Foi muito mais difícil. Me pareceu que o governo federal tinha o controle absoluto do que estava acontecendo. Da outra vez, em 2013, me pareceu mais amador. As próprias filhas do Carlos Terena, que é o grande organizador dessa história, estavam fazendo assessoria junto com outras meninas. Os índios ficavam com a gente, tinha uma interação muito legal. Os mais isolados nos olhavam muito, se olhavam entre si. Foi mais interativo. Eles estavam muito melhor, parecia que estavam mais felizes. Já em 2015, parece que profissionalizaram o negócio. O governo teve a preocupação de não deixar os indígenas próximos da arena onde aconteciam os jogos. Eles se movimentavam de ônibus, a gente tinha pouco contato com eles. Sem dúvida o governo estava muito mais preocupado. Coincidência ou não, na mesma semana estava rolando a discussão sobre a PEC 215. Tinha muita polícia por lá, tropa de choque. Acho que não haverá outros jogos como os de 2013. Parecia ser mais orgânico, as pessoas interagiam. Dessa vez, não era orgânico. Mesmo porque, o evento foi aberto pela presidente Dilma com a Kátia Abreu (empresária pecuarista, então ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), que os índios dizem ser a principal inimiga deles.
Você expôs as fotos que já tinha do projeto lá, né? Como foi a recepção?
Eu não tive contato, cheguei no domingo. Tinha fotos de outros fotógrafos também. Eu não sei te falar. Não consegui conversar com os índios.
Quantas etnias você já tem fotografadas? O que você imagina fazer com esse material?
Tenho 17 etnias bem retratadas, de um jeito que eu gostei. Estão bem resolvidas. Eu ainda não sei o que eu quero fazer com esse material. Minha intenção é continuar a tocar, ir juntando. Seria legal expor, mostrar, se fosse pro exterior. Mostrar esse gene nosso. Porque a gente é muito índio. O interessante do índio é que cada etnia é diferente. Eles têm os traços diferentes, os cabelos diferentes, a estrutura corporal diferente. Os olhos são diferentes, a sobrancelha. São totalmente diferentes. Você vai para São Luís, é um tipo. Você vai pro Sul do país, é outro.
Você tem um material em vídeo também, né?
É, mas é da Retomada.
Pretende dar continuidade a ele também?
Não, a Retomada é diferente do Brasil Indígena. É sobre o maior conflito indígena por terras do país. Tem um dos meus personagens, um político, que diz que você pode voltar daqui a 30 anos, e tudo vai continuar na mesma, porque ninguém resolve nada. Eu tenho duas incursões grandes no Mato Grosso do Sul. É um registro histórico. No futuro, tudo isso vai se encontrar. Daqui a 30 anos, as pessoas vão olhar essas imagens e vão falar, que coisa de louco. Tenho certeza de que daqui a 30 anos, a metade das etnias que eu fotografei já vão estar diluídas nesse processo. São por volta de 362 no país, eu só tenho 17. Eu não conto que vou ganhar dinheiro com isso. Eu quero que fique como registro. Um dia esse material vai servir para estudos. Eu piro nisso.
Como e quando você começou na fotografia?
No interior (Assis - SP) não tinha essa influência de fotografia. Muito menos eu, que venho de uma família de funcionários públicos. Só tinha aquelas shotzinha, com filme. Mas meus pais assinavam a Folha de S.Paulo. Eu ficava impressionado com aquelas fotos, aqueles títulos, aquelas reportagens. Uma vez eu vi uma foto muito louca, do Jorge Araújo, lá em Brasília. Um cavalo empinado, pau quebrando, com índio. Pensei, é isso que eu quero fazer da minha vida. Tinha uns 14 anos. Aí fui fazer publicidade. Certo dia, um professor de antropologia chamado Rubens falou: vamos fazer, cada um, aqui em Assis, um documentário fotográfico. Aquele chamado me despertou. Fui nas Casas Bahia e comprei uma Zenit. Custava R$ 135. Tinha uma objetiva grande angular. Tinha uns meninos que nadavam no esgoto, em Assis. Eu fiz uma história que chamava Meninos do Esgoto. Teve repercussão na cidade, exposição e tudo. Daí não parei mais.
Fez publicidade?
Mudei para Piracicaba. Fiz jornalismo, durante dois anos, depois fui para publicidade. Mas continuei na fotografia. Em 1998, vim pra São Paulo, fazer estágio. Foi onde eu comecei a ver as primeiras referências legais de composição. Eu tinha me dado bem como diretor de arte, ganhado um prêmio na faculdade. Mas minha vida era fotografia. E eu não tinha dinheiro para isso. Aí fui pro Canadá para comprar uma câmera razoável.
E comprou que câmera?
Cheguei lá sem dinheiro, no início dos anos 2000, e comprei uma Olympus. Ai voltei pro Brasil e fui direto para a pós-graduação no Senac, em 2002. Quando eu entrei, um amigo meu disse que tinha uma vaga lá na Futura Press e que eu tinha estilo de fotojornalista. Bem depois fui trabalhar na Folha. Conheci o João Bittar e ele falou pra eu ir na Agência Estado conversar com a Mônica Maia, que me deu uma puta oportunidade. Até que o João Bittar me chamou para fazer uns trabalhos na Quem e na Revista Época. Cobri uns oito meses de Mensalão em Brasília. Acabando isso, voltei pra São Paulo, acho que foi em 2005. O João Bittar me indicou para a Folha, para o Toni Pires. O Toni me contratou como freela fixo. Fiquei até 2008 lá. Foi a grande escola, mesmo. Você recebe três pautas por dia, todo santo dia. Trabalhava 14 dias e folgava dois. Foram três anos assim. Chegou um momento em que eu não aguentava mais. Resolvi ir embora pra Austrália, dar uma respirada. Depois de oito meses trabalhando em cozinha, falei vamos embora dessa porra, voltar pro Brasil que eu preciso voltar a fotografar. Fotografia é igual a futebol. Se para de treinar, a bola bate na canela. Voltei e, de cara, tive uma oportunidade na Reuters. Mas eu não estava preparado. Fazia já quase uma ano que não fotografava. Aí voltei pra vida de freela.
Quem são as tuas principais referências em fotografia?
Eu não tenho umas referências certas assim. Sendo profissional, você tem que estudar história da fotografia, tem que parar e olhar para todos os profissionais que estão se destacando. Cada um tem uma visão diferente. E você vai pegando. Eu boto no search da Reuters e vejo todas as fotografias que estão ali. Entro na Agência Estado e vejo todas as fotografias que estão ali. Marcar uma estética sua é difícil. Você vai pegando referências de um e outro, testando, adaptando ao seu trabalho. Precisa estudar todo santo dia. Olho pra tudo. Sou xereta. Quero ver mais sobre a pessoa, se me chama a atenção. Tento usar fotojornalismo misturado com direção de arte. Eu sempre trabalho com as regras de direção de arte. Em uma foto, os elementos precisam estar distribuídos harmonicamente. Me preocupo com aspectos formais de composição. Peso e equilíbrio. O básico é o fotojornalismo. Mas eu tento agregar esse lado de direção de arte, para melhorar a estética. Vem junto essas referências. Não existe segredo. Tudo é referência. É uma somatória de repertórios. Você precisa estudar a todo momento.
A vida nos extremos - entrevista com Fabio Teixera e Alex Ribeiro







Os fotógrafos freelancer Fabio Teixera, de 38 anos, e Alex Ribeiro, de 36 anos, passaram o ano de 2015 atrás de histórias de gente vivendo em situações extremas no Rio de Janeiro. Realizaram mais de 20 entrevistas. Conversaram com meninos caçadores de rãs, limpadores de sepultura, caçadores de caranguejo, prostitutas. Estiveram no bairro do Caju, no Complexo do Alemão, em cemitérios, manguezais e na Vila Mimosa, uma das mais famosas áreas de prostituição do país. Este ano, diz dupla, vão reunir as histórias em um documentário e, as fotos feitas em paralelo, em uma exposição, ainda sem data definida. O nome de ambas será Sobreviver.
A ideia surgiu durante um café. Colegas de profissão, os dois se conheceram na cobertura de eventos que viraram notícia no Rio de Janeiro e logo perceberam que tinham interesses comuns para além do jornalismo. A ambição de ambos era também fazer documentários sobre questões sociais, como “Vivendo um outro olhar”, o filme que levou Teixeira, paulista de Piracicaba, a conhecer a atual noiva, Ingrid Cristina, e a se mudar para o Rio, em 2009 – Ingrid também é fotógrafa e aprece no documentário. Decidiram, então, unir esforços em um projeto comum.
Na entrevista a seguir, Teixeira e Ribeiro falam sobre suas carreiras, sobre o documentário e a foto campeã do prêmio Nikon deste ano, vencido por Teixeira.
Como surgiu o interesse de vocês por fotografia?
Ribeiro – Desde os 15 anos, quando ganhei uma câmera Mirage, eu ficava tão ansioso para ver os resultados da revelação, que ia sempre um dia antes do prometido. Daí descobri a paixão pela fotografia. Até hoje eu sou assim, quando vou revelar um filme. Aos 21 anos, comecei a vida profissional fazendo fotos sociais para amigos e vizinhos. Depois de dois anos, queria fazer fotojornalismo. Saí para a rua para montar um portfolio e não parei mais.
Teixeira – Começou em 1992, eu era assistente de casamentos. Fazia assistência de estúdio, publicidade, books, casamentos. Já gostava muito. Tinha uns 15 anos, na época. Fiquei oito anos nesse ramo. Depois comecei a fotografar para um jornal da minha cidade, no interior de São Paulo, o jornal A Tribuna de Piracicaba. Fiquei quatro anos. Depois comecei a fazer trabalhos pra agência Folhapress, já em 2004.
Mas você, Fabio, hoje mora no Rio de Janeiro, certo ?
Teixeira – Sim, moro aqui agora. Minha noiva é carioca. Mudei de Piracicaba para o Rio em 2008 ou 2009. Ganhamos um apartamento do meu sogro, depois de um ano de namoro. Mudei para morar com ela. Antes, eu morava em Piracicaba. Conheci ela através de um documentário que vi no YouTube, chamado “Vivendo um outro olhar”, do Guilherme Planel. Ela aparece no filme. Ficamos amigos, depois ela veio à minha cidade passar uns dias.
Vocês dois trabalham como freelas? Para quem?
Teixeira – Sim. Corbis, UNICEF, Cruz Vermelha, HBO, CNN, Reuters, AFP, Folha, BBC, ONU, Vice, Veja, Uol. E faço trabalhos documentais.
Ribeiro –The Sun, Dailymail e Estadão Conteúdo, como colaborador.
Como surgiu a ideia do documentário Sobreviver?
Ribeiro – Nos conhecemos cobrindo pautas. No convívio com o Fábio, descobri que tínhamos a mesma ideia de fazer fotos documentais. Então, eu e ele pensamos em trabalhar juntos em um projeto, pensamos em um assunto bem extremo, pessoas que vivem em condições extremas de sobrevivência. Daí saiu o documentário Sobreviver.
Teixeira – A ideia surgiu um dia em que estávamos tomando um café. Com o tema definido, eu e o Alex começamos a documentar as comunidades no Rio.
Quando começou e em que pé está o trabalho?
Teixeira – Começamos há um ano e três meses e estamos já na fase final. Em breve, começaremos a fase de edição. Entrevistamos umas 20 pessoas. Gente que vive no mangue, em favelas do Rio, como o Alemão, Pantanal e Caju. Esperamos lançar ainda em 2016. Essa é a ideia. Na primeira fase do projeto, éramos só eu e o Alex. Agora, na edição, Planel (Guillermo Planel) está nos ajudando. Fizemos vídeos e fotografia, e vamos fazer exposição também. A exposição não tem data, mas vai rolar. Faz parte do projeto.
Ribeiro – As fotos fazem parte do documentário. Será um filme de fotos e vídeos, contando histórias.
Como selecionaram os personagens? Por profissão?
Teixeira – Sim, profissões diferentes. Meninos caçadores de rãs, limpador de sepultura, caçadores de caranguejo, prostituição da Vila Mimosa.
Vocês já conheciam alguns? Como foi convencê-los a participar?
Teixeira – Não conhecíamos ninguém. Só na Mimosa, foram sete meses de trabalho.
Tem um trabalho de ganhar confiança, né?
Teixeira – Sim. Mas, a cada história, uma nova lição. Na Vila Mimosa, havia uma mulher que fazia oração antes de ir fazer os trabalhos dela, os programas.
Ribeiro – Cada espaço que fotografamos foi conquistado com muita conversa e tempo. Ninguém chega lá de uma hora para outra e começa a fotografar. Primeiro ficamos bem conhecidos no local. Depois ganhamos a confiança. Daí surgiram os primeiros clicks. É claro que nem todas aceitavam ser fotografadas. Mas as que permitiam, a agente não perdia tempo. A câmera sempre era direcionada para as meninas, mas eu ficava esperando passar clientes e curiosos, para dar aquela composição. Tinha clientes que não se importavam com as lentes. Aí já viu, era tudo que queríamos. Mas nem todos se agradavam com a nossa presença. A maioria não gostava.
Qual o momento que mais te marcou durante todo o processo?
Ribeiro – Na Vila Mimosa, uma garota de programa, cheirando cocaína em cima de uma lixeira.
Qual a principal dificuldade que enfrentaram? Por quê?
Ribeiro – A principal dificuldade é o tempo, pois eu trabalho, e nem sempre o tempo do Fábio é o meu tempo. Para ser documentarista, tem que ter muito tempo e muita paciência.
Fabio, você acaba de vencer um concurso, o "Eu sou o Natal", da Nikon. Pode nos contar um pouco os bastidores da foto que venceu?
Foto: Fabio Teixeira - imagem vencedora do concurso "Eu sou o Natal", da Nikon.
Teixeira – Foi feita no final de 2015. Fui acompanhar um Papai Noel na favela de Ramos, que é um garoto de 14 ou 15 anos, morador da Maré. Uma academia doa brinquedos todos e ele ajuda a entregar. Fica perto da minha casa. Minha mulher acompanha a entrega dos presentes há cinco anos e, eu, há dois.
É seu primeiro prêmio?
Teixeira – É, sim.
Cia solo – entrevista com Pio Figueiroa
Foto: Pio Figueiroa - uma das imagens do projeto Ver do Meio, exposto em maio em São Paulo
O fotógrafo recifense Pio Figueiroa integrou o que foi provavelmente o mais influente coletivo de fotografia brasileiro dos anos 2000. Depois de uma temporada de oito anos de fotojornalismo, com passagens pelo Jornal do Commercio, Editora Abril, Editora Três e Valor Econômico, fundou em 2003, com Rafael Jacinto, João Kehl e Carol Lopes, a Cia de Foto.
A Cia ficou conhecida por assinar coletivamente seus trabalhos, por uma forte pós produção das imagens e pela experimentação estética. Publicou em revistas brasileiras, como Veja, Revista da Folha e IstoÉ, e em títulos estrangeiros de peso, como Time Magazine, Newsweek e National Geographic, além de ganhar notoriedade por uma série de projetos autorais.
Um dos mais conhecidos é “Caixa de Sapato”, registro da vida pessoal e da intimidade dos integrantes, exposto no Museu de Arte Moderna de São Paulo (2008) e na Photographer’s Gallery, de Londres (2009). Outros, são “25 de Março”, sobre a rua de comércio popular paulistana, com o qual entraram para a Coleção Pirelli Masp, e “Carnaval”, uma série que foca rostos vistos de cima, em meio à multidão em festa, exposto na Photoquai de 2011, em Paris.
Com o fim da Cia de Foto, em 2013, Pio saiu em carreira solo. Nesta entrevista, ele fala sobre sua trajetória na fotografia, os projetos aos quais se dedica desde então e sobre a recente exposição "Ver do Meio", sobre a cidade de São Paulo, que aconteceu este ano, no Instituto Tomie Ohtake, e que, segundo Pio, vai estar em 2016 na Bienal de Arquitetura, na Itália.
Você trabalhou em jornais como o Valor Econômico e fez parte do coletivo Cia de Foto por dez anos, até ele terminar, em 2013. Quais os projetos e iniciativas a que tem se dedicado desde então?
Minha entrada na fotografia foi pelo fotojornalismo. Comecei no Jornal do Commercio, em Recife. Depois vim para São Paulo trabalhar na área editorial da Abril. Em seguida, fui para Editora Três e fiquei por lá até o projeto do Valor Econômico. Isso somado resulta em oito anos no mercado editorial. Daí surgiu a Cia de Foto, como forma de migrar desse mercado para um ambiente que permitisse mais pesquisas e projetos próprios. Hoje em dia desenvolvo meus projetos, estou sempre desenvolvendo novas historias. Sou editor de uma revista chamada Sueño de La Razon, que envolve editores de todos os países da América latina. Sou também editor do blog Icônica, junto com mais quatro professores/pesquisadores da fotografia. E estou desenvolvendo um roteiro de longa metragem via uma edital de cinema. Uma história que se relaciona com a fotografia.
Na Cia de Foto, o trabalho de vocês, tinha uma estética muito marcante, mas determinada de forma coletiva. Você tem hoje uma preocupação em buscar uma linguagem mais própria, de criar uma nova identidade visual? Se sim, de que forma tem buscado fazer isso?
Acho que sempre tive uma fotografia que flertava com a pintura. Até mesmo no jornalismo que fazia no Jornal do Commercio, fotografando em filme positivo na época (Próvia 100/ FUJI). Já ali procurava uma fotografia bastante definida pela luz, pelas cores. A Cia foi parte desse processo. Nesse sentido, continuo um procedimento que se repete agora e que vem antes da Cia, de me dedicar bastante a um lado pictórico. Não tenho muito uma preocupação de criar uma identidade, porque antes e durante o coletivo, meu procedimento de pesquisa era bem parecido, e se espelhava na experiência que tinha em fotografar com filmes cromo, nos quais a latitude era bem limitada, exigindo uma exposição mais cuidadosa, e, ao mesmo tempo, com a experiência que tinha no laboratório P&B, no qual usava muito o recurso de mascara para proteger áreas e dotar a imagem de diferentes gradações de luz e sombra. Essa pesquisa continuou e continua de forma análoga no mundo digital. E na Cia seguiu esse procedimento.
Como é, de modo geral, seu processo de trabalho? Varia de projeto para projeto? Ou existe um eixo comum entre todos eles? Que equipamento costuma usar para fotografar?
De modo geral, uso uma Canon Mark III e lentes fixas, 35mm ou 85mm. Fotografando sempre com luz natural e tentando captar as cenas em acordo com o histograma. Não ligo muito para o resultado da imagem na hora em que capto, mas prezo por um arquivo rico em informações. Depois, no Photoshop, é que chego onde quero. Esse procedimento pode ser visto como um eixo que me segue desde do início. Claro que lá atrás não havia o arquivo digital nem usava o Photoshop, mas seguia um procedimento parecido nas revelações e ampliações de meu material. Outro ponto, é que sempre fotografo situações que seguem uma abordagem de fotojornalismo. Geralmente não projeto muito o que irei fotografar. Leio a respeito, apuro, pesquiso, mas quando me lanço ao assunto deixo a vivencia compor a fotografia que expressarei.
A Cia de Foto ficou conhecida pela atuação como coletivo. O que acha de iniciativas semelhantes que surgiram desde então? Poderia citar alguns que te chamam mais a atenção?
A Cia de Foto foi pioneira em alguns aspectos, um deles foi o da produção coletiva. Mas outros se seguiram como o de romper com mercados específicos, atuar no jornalismo, na arte e na publicidade sem preconceito e conseguir ser aceito nesse meio. Outro ponto foi recorrer as pesquisa acadêmicas e aproximar essas pesquisas de nossa produção. Acho que esse três pontos, de alguma forma, ganharam uma força específica com a Cia, e hoje em dia, várias outras iniciativas super legais seguem esse movimento. Não penso com isso que foi a Cia que inventou nem um desses aspectos. Mas penso que houve uma atividade que dinamizou algo que estava como sintoma, prestes a acontecer.
O jornalismo e a fotografia relacionada a ele vivem uma crise séria de modelo de financiamento. Passar por uma redação era, e ainda é, uma etapa importante na formação de muito fotógrafos. Mas está cada vez mais difícil viver disso. Que caminhos enxerga hoje para profissionais jovens que tem a intenção de se dedicar ao fotojornalismo e à fotografia documental? E em termos de financeiros, como se bancar?
Não teria uma formula. Acho que a geração que vem aí é que vai nos ensinar como fazer. Nós fomos a geração da falência. A solução tem que vir da próxima. E eles tem que ter estima para isso, para criarem novos caminhos. Sou bem fã do Mídia Ninja, das iniciativas como a dos Jornalista Livres, e ainda espero, com entusiasmo, outras ideias e soluções. Acho que minha geração deve se colocar muito mais na condição de aprendizado do que tentar determine caminhos. Sou muito curioso pelas alternativas que a molecada pode trazer. Mas eles precisam de ensino e de uma comunidade que liberte eles ao experimentalismo.
Você expôs recentemente com os fotógrafos Mauro Restiffe e Arnaldo Pappalardo o projeto “Ver do Meio”, que teve como curador Nelson Brissac. Como surgiu a ideia da exposição?
É uma curadoria do professor Nelson Brissac. Ele parte de uma ideia de que São Paulo é uma cidade que não se deixa ver, um aglomerado de prédios que reconfiguram a nossa capacidade de uma apreensão geográfica mais convencional. Dessa ideia, ele convidou os três fotógrafos para fotografar a cidade em três abordagens, o centro da cidade, os eixos de deslocamento e as periferias.
Como foi feita a seleção das fotografias que entrariam? A quatro mãos, como o curador Nelson Brissac? Em parceria com o Mauro Restiffe e o Arnaldo Pappalardo?
O projeto teve três grandes momentos. Um início, no primeiro semestre de 2014, quando começamos a nos encontrar e discutir a abordagem. Recebemos aulas do Nelson sobre a ideia de exposição. Depois chegamos a um consenso sobre o tempo que precisaríamos para desenvolve-la, os custo de produção, etc.. Em um segundo momento, começamos o trabalho de campo. Aqui era comum nós nos encontrarmos com as fotos recém tiradas e escutar do grupo as impressões que tínhamos, assim como entender para onde estava caminhando cada pesquisa. Em um terceiro momento, veio a hora de editar e materializar a exposição. Essa parte ocorreu nos três meses que antecederam a abertura.
Vocês já haviam trabalhado juntos antes? Em que ocasiões?
Com o Nelson sim. Tinha participado de mais de um projeto anteriormente. Faz tempo que acompanho a pesquisa dele, desde dos movimentos que ele provocava com o Arte/Cidade, e as ocupações artísticas na Zona Leste. Já o Mauro, sou bem fã do trabalho. É um fotógrafo que admiro muito, acho uma pesquisa madura, significativa, importante para a historia da linguagem aqui no Brasil, no que se relaciona com a arte. O Pappalardo foi uma grande apresentação. Lembrava dele muito mais pelo trabalho na publicidade, e sempre o vi como um grande cara. Nesse ano, essa impressão se tornou certeza e foi uma convivência que promoveu uma amizade.
É interessante notar como a visão de cada um de vocês sobre a paisagem urbana é diferente. O Pappalardo fotografou muito edifícios comerciais e residenciais, as fotos são coloridas e chamativas. Tem muito da poluição visual e da mistura de cores da cidade. As fotos do Restiffe são em P&B, feitas em filme, grão bem aparente. As tuas tem principalmente pessoas.
Aqui eu acho que tem dois aspectos legais de destacar. O primeiro é a ideia do curador de procurar nessas pessoas uma complementariedade que resultasse numa exposição rica em abordagens. Nesse sentido, essa mistura de estilos tem um tanto de aposta e sensibilidade do curador. Um Segundo aspecto é perceber o quanto o grupo foi determinando a própria pesquisa do Nelson, o quanto a intenção curatorial inicial foi reformulada no embate com essas três traduções de olhares e procedimentos artísticos.
Qual a expectativa com o projeto? A ideia é levantar algum tipo de discussão que vá além da estética da fotografia? Se sim, qual?
Minha expectativa era responder as provocações que o próprio grupo engendrava. Como eram pessoas fortes, dedicadas ao trabalho, o ambiente foi muito combatível, e pensar no processo, ou dar conta do processo já foi um desafio que exigiu muito comprometimento. O que do trabalho suscitará discussões ainda é difícil dizer, pois ainda não o vi com distanciamento. Com certeza a questão estética é uma das entradas fortes de discussão, os diferentes estilos e procedimentos. Acho também que a exposição consegue discutir a ideia curatorial com abordagens bem especificas. Acho que o Pappalardo tem uma distancia criteriosa com a cidade. De alguma forma ele planifica São Paulo, constitui uma cidade sem sombras, como formas que se acumulam sem permitir distanciamentos entre elas. O Mauro faz uma fotografia que não sabemos ao certo se ele fala de um passado ou mesmo de um futuro catastrófico. As fotos dele ne P&B granulado nos colocam em algum intermédio de tempo, no qual fica difícil de saber se a São Paulo que constitui já é ruína, ou se ele antecipa um future esmaecido pela impossibilidade que essa cidade teria de se realizar. Acho que fico no meio, e me debruço nas pessoas. E são a gente da cidade, de uma lado de sua história que não admite vencedores.
Várias das imagens suas que aparecem na exposição são de projetos anteriores, certo? Alguma foi feita especificamente para a exposição? Se sim, quais?
As fotos são feitas para o Ver do Meio. Em alguns momentos, usei fotos da pesquisa em aplicações imediatas, na medida que era solicitado. É como você estar estudando um assunto amplo e te pedirem um texto breve sobre um aspecto, ou um recorte. Foi o faz, usando um momento do que desenvolves. Tem fotos no Ver do Meio que foram usadas também no projeto que fiz com a Magnum e com o IMS.
Quem são hoje as suas principais referências na fotografia, no Brasil e lá fora? Por quê?
São os pesquisadores teóricos. Filósofos, professores. Muito mais que fotógrafos. Me emociono muito quando encontro a fotografia como campo conceitual. E sou um público na espera por gente nova, desse eu ainda serei fã.
Foco social - entrevista com Tércio Teixeira
Tércio Teixeira, um dos cinco membros do R.U.A. Foto Coletivo, faz parte de uma corrente de profissionais da imagem que acredita no potencial de transformação social da fotografia. Ao lado de Rodrigo Zaim, Jardiel Carvalho, Isabella Lanave e Felipe Paiva, participou ativamente da cobertura das Jornadas de Junho de 2013 e de uma série de outras manifestações que pipocaram pelo Brasil desde então. Em paralelo, registra continuamente a violência latente e a dura realidade do dia a dia em comunidades cariocas e paulistas como forma de levar as pessoas à reflexão e chamar a atenção para problemas negligenciados por boa parte dos grandes veículos de comunicação.
Um dos exemplos mais recentes do trabalho de Teixeira é a exposição Essência, aberta até o dia 21 de junho, no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro (Avenida Vereador Alceu de Carvalho n.1020). Nela, ele reúne imagens feitas em um período de três anos, em comunidades paulistas e cariocas. Nas palavras do próprio Teixeira, a exposição mostra crianças que, não obstante viverem em meio ao caos, a violência e a miséria, preservam a integridade e virtudes que constituem a sua essência. O objetivo da mostra, diz, é jogar luz e angariar apoio para o projeto de oficina de fotografia idealizada pelo pastor Julio Mesquita, que será realizado na igreja batista Novo Horizonte, para crianças das comunidades César Maia e adjacências. Das 21 fotografias expostas, três serão leiloadas no dia 20 e, as demais, vendidas para apoiar a iniciativa.
Na entrevista que segue, Teixeira, hoje com 34 anos, fala sobre sua história na fotografia, a origem da exposição Essência, o papel político da fotografia e projetos paralelos por vir.
De onde vêm o seu gosto por fotografia?
Tive influência do meu pai fotografo, que tinha loja de fotografia. Cresci vendo ele revelar rolos de filme em laboratório. Comecei a fotografar na adolescência, com uma Zenit do meu pai, e me formei pelo Senac, em 2006.
Que temas te interessam? Por quê?
Tenho interesse por diversos temas, porém me dedico mais a causas humanistas, entre elas desigualdade social, miséria e abandono, entre outros. Vejo que através da fotografia temos uma ferramenta importantíssima para abordar assuntos pelos quais grande parte da mídia não se interessa. Nasci em uma comunidade em que a violência e o abandono ainda são presentes e com isso posso mostrar, através da minha fotografia, o que cresci vendo e ainda vejo. A fotografia tem o papel de aproximar as pessoas dos fatos sociais e políticos, denunciar o abuso de autoridade, além de trazer a reflexão através da qual se buscam ações e soluções.
Fale um pouco sobre a exposição Essência, o trabalho que está expondo atualmente no Rio, no Recreio dos Bandeirantes?
A exposição veio para descortinar o projeto de oficina de fotografia que será realizada na igreja batista Novo Horizonte para as crianças das comunidades do César Maia e adjacências, idealizada pelo pastor Julio Mesquita. A exposição mostra crianças que, não obstante viverem em meio ao caos, a violência e a miséria, preservam a integridade e virtudes que constituem a sua essência. Assim propõe algumas reflexões tais como: quais as perspectivas dessas crianças? Quais caminhos elas tem? Nós, como sociedade, somos responsáveis? Como podemos oferecer alternativas dignas? As fotos foram realizadas em comunidades do Rio de Janeiro e São Paulo.
Como e quando surgiu a ideia do projeto?
Estávamos com um projeto em mente, de fotografar casamento de noivos que não tem condições de pagar por um álbum. Paramos na Comunidade Batista Novo Horizonte (CBNH) e o pastor Julio não só abraçou a idéia como convidou para o projeto da oficina de fotografia, topamos na hora e o projeto doa noivos acabou sendo adiado.
Qual o fio condutor?
O pastor Julio Mesquita vem desenvolvendo diversas atividades educativas e culturais na comunidade César Maia e adjacências. Quando ele me conheceu, pensou na hora neste projeto. Não houve um planejamento. Estamos metendo a cara e pedindo ajuda para dar continuidade.
Quanto tempo levou fotografando e que equipamento usou?
Tem fotos do ano de 2012 a 2015. Utilizei a D7000 (Nikon).
O convite para a exposição diz que a renda de fotos do projeto leiloadas vai para a oficina de fotografia voltada aos jovens carentes? O que espera com o projeto, em termos sociais?
A meta é principalmente produzir “bons” cidadãos, buscando preservar a essência da criança, abrindo oportunidades. Não é à toa que as crianças são consideradas “o futuro da nação”.
O projeto terá algum desdobramento em livro ou mesmo no site do R.U.A? Você pretende continuar a fotografar a comunidade?
A princípio não será publicado em livro. Algumas fotos da exposição foram publicadas no site, outras era inéditas. Quanto ao projeto da oficina, ao final do curso haverá uma exposição com as fotos dos alunos. Certamente continuarei fotografando as comunidades. Mas sempre procurarei fazer disso uma oportunidade de dar visibilidade para os problemas que afligem essa parte da sociedade mais carente, e não uma exploração.
São quantas fotos e quantas serão leiloadas?
São 21 fotos. Três serão leiloadas e as demais estão a venda. Quem desejar comprar pagará o preço que desejar contribuir com o projeto. Cinco já foram vendidas. O leilão ocorrerá dia 20 de junho deste ano.
Como tem sido a repercussão?
Felizmente, foi um sucesso. Apenas duas pessoas da comunidade disseram ter ido a alguma exposição. Foi incrível ver as pessoas verem sua primeira exposição. Ficaram encantadas com o trabalho e isso é muito gratificante.
Em que outros projetos você está trabalhando?
Estamos fazendo um trabalho no Jardim Gramacho, no município de Duque de Caxias, em parceria com o IdeMissoes, um projeto de Anderson Lima, que já tirou pessoas do tráfico e ajuda as famílias da região. Vamos retratar a vida dessas famílias, e divulgar esse projeto. Podemos adiantar que este projeto será longo.
Quem são os suas grandes referências na fotografia, aqui e lá fora? Por quê?
Os trabalhos de Cartier-Bresson, Robert Capa e James Nachtwey, são inspiradores. No Brasil, admiro muito o trabalho do Maurício Lima. Suas fotografias são humanistas, envolvem pessoas esquecidas pela sociedade. Gosto de trabalhar o lado social, por isso me identifico com esses fotógrafos.
Que equipamento costuma usar no dia a dia?
Hoje, trabalho com a Nikon D600. Gosto de trabalhar com lentes fixas.
(clique sobre a foto que abre a entrevista para ver outras imagens feitas por Tércio Teixeira)
Da fé às pedras - entrevista com José Bassit
José Bassit, ou Zé Bassit, como é mais conhecido o Zé, começou na fotografia pela imprensa. Paulistano, nascido em 1957 e formado em Comunicação Social pela Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAM), publicou as primeiras fotos lá por 1985, 1986, quando entrou no Estadão. Passou depois pela Folha de S.Paulo, pela Vejinha, Época e Meio&Mensagem, antes de se lançar como freelancer, em 1998.
Foi nessa época também que embarcou em seu mais conhecido projeto autoral, “Por onde anda a fé”. A ideia era fotografar grandes manifestações religiosas de fé pelo Brasil. E o Zé saiu a viajar pelo Brasil. Esteve em Juazeiro do Norte, Canindé, Barbalha e Sobral, no Ceará. Em São Paulo, passou por Aparecida, Piracicaba, São Luiz do Paraitinga, São Sebastião, Praia Grande, São Bernardo do Campo. Visitou Bom Jesus da Lapa e Santa Brígida, na Bahia. Em Minas Gerais, Ouro Preto e São João Del Rey. Em Goiás, foi a Cidade de Goiás. No Distrito Federal, ao Vale do Amanhecer. No Pará, a Belém.
O esforço deu resultado. Em 2003, o projeto virou o belíssimo livro “Imagens fiéis”, editado pela Cosac&Naify, com 101 imagens. As fotos foram parar também na Coleção Pirelli Masp, uma das mais prestigiadas do país.
Mais recentemente, Zé voltou a botar o pé na estrada. Agora para fotografar pedras. Mas pedras, Zé? Isso mesmo. Iniciado em 2012, o projeto foi batizado “Kepha”, pedra em aramaico. Na entrevista que segue, ele fala um pouco sobre o que o levou a escolher o tema, sobre projetos passados e futuros e sobre assuntos polêmicos na fotografia, como o limite no tratamento de imagens.
Frame35 - Gostaria que você contasse um pouco sobre o projeto novo que está tocando, de fotografar pedras. O que você busca? É a estética, são as formas das pedras? Ou as pedras fotografadas são pedras com histórias relacionadas?
José Bassit - Busco retratar a beleza das pedras em seus diferentes cenários. Suas formas contam a história do tempo. Foram desenhadas através de intempéries de toda sorte: ventos, águas, junções, fendas, ou seja, são mesmo a máxima e contundente expressão do tempo. E isso é o que me instiga.
Frame 35 - De onde surgiu a ideia?
JB - Comecei a pesquisar sobre possibilidades de fotografar a natureza e me encantei com a incrível quantidade e diversidade de formações rochosas passíveis de ser encontradas em tantos recantos brasileiros.
Frame 35 - Há quanto tempo está desenvolvendo o projeto?
JB - Desde janeiro de 2012 venho desenvolvendo “Kepha”, que significa pedra em aramaico. Desde então, já visitei e retratei sete lugares diferentes: Praia de Itaguaçu em Florianópolis, Vale da Lua na Chapada dos Veadeiros, Lajedo do Pai Mateus e Parque Nacional da Pedra da Boca na Paraíba, Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira - Petar em São Paulo, Chapada Diamantina na Bahia e Vale do Catimbáu em Pernambuco.
Frame35 - Tem previsão de término?
JB - Ainda faltam pelo menos seis lugares que gostaria de visitar. No entanto, esse tipo de trabalho pode se estender por muitos anos.
Frame35 - Que equipamento está usando e por quê? (câmera, lente, é filme ou não, etc.)
JB - Uso uma câmera Canon 5D Mark II porque ela me garante a qualidade que espero para grandes ampliações.
Frame 35 - Você tem um longo trabalho sobre fé no Brasil, que resultou no livro “Imagens Fiéis”, publicado pela Cosac & Naify, e que tem fotos também na coleção Pirelli Masp. Deu ele por encerrado? Ou ainda está trabalhando nele?
JB - Jamais darei esse trabalho por encerrado, uma vez que foi um dos que mais me motivou e me fez orgulhoso. Sua continuação será feita com manifestações religiosas fora do Brasil.
Frame35 - Zé, você também tem um projeto que é o de fotografar barbearias tradicionais de São Paulo. Chegou a fazer uma exposição e queria publicar. Como está agora?
JB - Tenho material suficiente e muito interessante para fazer um livro. No entanto, a dificuldade está em conseguir autorização do uso de imagem. Muitos dos retratados já faleceram ou se mudaram...
Frame 35 - Em que outras ideias têm trabalhado?
JB - Em um projeto chamado Iemanjá, Senhora das Águas, sobre as manifestações religiosas afro-brasileiras.
Frame35 - Como vê a nova geração de fotógrafos que está surgindo no Brasil? Acompanha o trabalho de coletivos como o Selva SP e outros?
FB - A nova geração tem “fome de bola”. E o fotojornalismo está na veia dessa galera, principalmente no Selva SP. Gosto disso.
Frame 35 - Tem acompanhado a cobertura fotográfica dos protestos desde meados do ano passado? O que acha dela?
JB - Sim. Acho que tem muita coisa boa, de alto nível, feita por gente competente e acima de tudo, corajosa!
Frame35 - O trabalho de que fotógrafos brasileiros e gringos te chama mais a atenção hoje? Por quê?
JB – Dos brasileiros, gosto muito do Christian Cravo e do Julio Bittencourt que fazem fotojornalismo e fotografia documental com senso estético altamente apurado. Entre os gringos, me encanta o trabalho da Cristina Garcia Rodero na Magnun. Ela é fantástica.
Frame 35 - Existe hoje uma grande discussão a respeito dos limites do uso da tecnologia de tratamento de imagem na fotografia e, em especial, no fotojornalismo. Como vê esse debate? Para você, qual é esse limite?
JB - O limite em qualquer tipo de fotografia está entre manipulação e tratamento de imagem. O tratamento existe para acertar pequenos detalhes e isso era feito inclusive com filmes. Manipulação descaracteriza o fotojornalismo, na minha opinião.
Frame 35 - Assim como o jornalismo, a fotografia passa por um período de crise. O preço pago por fotos no mercado está bastante baixo, de modo geral. Como vê o futuro da profissão?
JB - Creio que ter fotos em agências é uma opção interessante – uma forma de ter seu trabalho “fora das gavetas”, exposto o ano todo.
Frame 35 - Que dica daria para quem está começando na profissão?
JB - Fotografe bastante, faça todos os cursos que puder, pesquise muito os sites de bons fotógrafos, apure o olhar.
Frame35 - De modo geral, no dia a dia, que equipamento usa?
JB - Minha inseparável Canon 5D Mark II.
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